dc.description.resumo |
Entre as letras da lei e a sua materialidade, muitas vezes
há um profundo vazio. E não tem sido muito diferente com as Leis
10.639 e 11.645 tendo em vista ainda sua pouca aplicabilidade nos
currículos da Educação Básica nesse país. Nesse sentido, parece-nos
que o currículo formal, resultado de muitas lutas por parte dos
movimentos sociais, está em descompasso com o “currículo real”,
este ainda ocidentalizante/europeizante e judaico/cristão. Romper com
esse paradigma curricular é a proposta política desse livro, resultado
do II Seminário de História e Educação Afro-Brasileira e Indígena,
realizado no CDSA/UFCG, entre 12 e 15 de junho de 2013.
Inicialmente, vale ressaltar que a Universidade Federal de
Campina Grande expandiu um campus para a cidade de Sumé no ano
de 2010, o Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido
(CDSA). O mesmo congrega duas Unidades Acadêmicas: a de
Tecnologia, que objetiva desenvolver práticas de convivência com o
clima semiárido e a de Educação do Campo, cuja ênfase é na formação
docente para atender as demandas das escolas da região. Essa última
congrega o Curso de Educação do Campo no qual os componentes
curriculares de História fazem parte da área de conhecimento
intitulada Ciências Humanas e Sociais, não obstante o componente
História e Cultura Afro-brasileira, assim como Etnologia Indígena serem obrigatórios para os alunos das três áreas1 que estruturam a sua
base curricular.
Talvez nesses três anos de UFCG no Cariri, esse tem sido um
dos poucos momentos de reflexão sobre cultura e políticas afirmativas
étnico-raciais. Momento que deve ter uma substantiva continuidade
e uma ampliação do debate e da interação com a sociedade civil e a
Educação Básica. E que deve ter igual ampliação em complexidade
para o foco de outras lutas identitárias, a exemplo do que tange
as questões de gênero e orientação sexual. Pois, conviver com
Semiárido não deve se resumir a um discurso meramente climático,
nem tampouco homogeneizar a região em uma identidade engessada
apenas sobre esse aspecto. Sendo assim, não podemos falar de
Semiárido no singular, e sim, na sua pluralidade cultural, na sua
diversidade.
Importante afirmar isso, sobretudo, em função da naturalização
que se fez/faz das identidades, assim como a normalização
daquelas hegemônicas que se impõem perante aquelas rotuladas,
negativamente, de “anormais”. Isso é visível, para o caso do Cariri
Paraibano, quando observamos relatos e práticas cotidianas nas escolas, no imaginário social e na própria Universidade. Relatos
que demonstram uma grande carga de preconceitos, sendo os mais
expressivos os de orientação sexual e de religiosidades de matriz
africana e indígena. Afinal de contas, desde a colonização da
espacialidade em estudo, vigorou e foi se consolidando/naturalizando
o paradigma do patriarcado e a visão de mundo modelada pela
retórica Católica e uma escola/currículo reprodutores das ideologias
hegemônicas.
Posto nessa espessura temporal, é que podemos compreender
o estranhamento por com relação a determinados signos da cultura
africana e afro-brasileira e indígena, de que é exemplo maior a questão
das religiosidades. Quando se fala de Umbanda ou Candomblé, ocorre
uma reação bastante negativa, para não dizer eivada pelo imaginário
do medo e pela representação prévia da diabolização em tomo dessas
religiosidades.
A temática da religiosidade é apenas um elemento no interior
de uma representação desqualificadora para com as culturas africanas,
afro-brasileiras e indígenas. Situação que tende a piorar quando vamos
observar a questão na Educação Básica, nas quais o preconceito
e a discriminação imperam enquanto as Leis 10.639 e 11.645 não
passam de letra morta. Afinal, como explicar esse silêncio de políticas
afirmativas na região do Cariri e o que fazer para romper com ele?
Podemos aventar algumas possibilidades.
Em primeiro lugar, pensamos que o grande motor produtor de
representações estereotipadas sobre as culturas indígenas, africanas
e afro-brasileiras foi a Igreja Católica desde a interiorização da
colonização portuguesa por volta do final do Século XVII, embora não tenha tido a força suficiente para deteriorar, completamente,
o patrimônio cultural das etnias marginalizadas. O catecismo do
Vaticano foi soberano nesse processo, mas não absoluto.
Somado a isso, e em segundo lugar, aparece a questão do
currículo, embora o processo de escolarização formal de massa
venha a ocorrer, na região, apenas no decorrer do Século XX.
Entretanto, pensando com o grande Antônio Gramsci, se trata de
um poderoso aparelho de hegemonia a universalizar uma visão de
mundo particularizada, tomando-a, portanto, hegemónica. Assim,
escola e Igreja Católica dão as mãos na continuidade de um processo
de educação calcado numa cultura histórica colonialista, branca,
urbanocêntrica, heterossexual e cristã.
Esses dois elementos são pensados na longa duração da
História e ajuda-nos a entender esse nosso presente ainda marcado
por discriminações e pela ausência de políticas afirmativas de
descolonização curricular. Contudo, outros fatores mais relacionados
ao tempo presente, embora não necessariamente descolados de uma
historicidade, precisam ser mencionados.
Em cursos de formação continuada e no desenvolver de
projetos de extensão em algumas escolas municipais da região
caririzeira, percebe-se alguns problemas que nos ajudam a
compreender esse silêncio em torno da materialização da referida
legislação e outras políticas afirmativas. Problemas também
relacionados à ausência de tais políticas nas agendas dos gestores
públicos, o que ficou bastante visível nas últimas eleições para
prefeito e vereadores. São inexistentes nos planos administrativos
das prefeituras como também desconhecidas no seu conteúdo e significado político por parte dos governos e de muitos
professores e gestores escolares. Aliás, as escolas e as prefeituras
dão continuidade ao currículo branco, eurocêntrico, cristão.
Festejam os santos católicos e comemoram a sagrada família o
ano todo, ao passo que ao índio lhe cabe apenas o 19 de abril,
assim mesmo para reiterar o discurso da selvageria, enquanto o
20 de novembro tem caído num esquecimento cabal. Isso sem
falar que a escola entrou no Século XXI sem dá um passo sequer
em favor da laicização.
Mesmo com a enxurrada de referenciais curriculares trazidos
pelas políticas educacionais, desde o final dos anos 1990, bem como
a renovação dos livros didáticos e a própria Lei 10.639 (reformulada
na Lei 11.645), as aulas de História não tem sido objeto de grandes
renovações teórica e metodológica. O que vemos são professores de
História sem qualificação profissional na área e sem estabilidade de
trabalho, o que tem dificultado em grande medida a construção sólida
de trabalho de extensão Universidade-Escola Pública. Além disso,
muitos professores também resistem em fazer discussões contra
hegemônicas e outros tantos não recebem formação continuada e
material didático para trabalhar a descolonização curricular pelo
caminho da implementação ida referida Lei.
Em suma: uma cultura histórica que perpassa a longa duração,
hegemonizando e marginalizando, oferece uma solidez diante da
ausência de políticas públicas municipais que promova a igualdade
substantiva e proporcionei uma desconstrução contra hegemônica
calcada na valorização das alteridades.
O que fazer, então? A rigor, não há um modelo. Pensamos apenas em algumas
estratégias a serem debatidas.
Primeiro, achamos que é de fundamental importância e
responsabilidade política das Universidades, no Cariri, encamparem
esse debate. Portanto, é preciso que nossos pares voltem os olhos para
fora dos muros acadêmicos a se preocuparem com a Educação Básica.
Esse processo deve caminhar procurando alianças com o Movimento
Negro Paraibano, os Núcleos de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas
existentes no estado e a Associação Nacional de Professores de
História (ANPUH-PB). Essa aliança será importante tanto para pensar
a implementação das leis nas escolas, mas, sobretudo, no fortalecimento
político da luta em favor da sua materialização. Essa luta deve ocorrer,
estrategicamente, em um duplo caminho: 1) na construção contra
hegemônica do currículo, pelas vias do debate na mídia, universidades
e escolas; e, 2) pelo enfrentamento junto ao Ministério Público,
denunciando o descumprimento de um dispositivo legal e exigindo dos
prefeitos municipais e do governo do estado a sua imediata realização.
Já estabelecemos um primeiro passo nessa direção quando
da iniciativa de um abaixo assinado online2 apontando nesse
sentido. Contando com apoio institucional do Núcleo de Didática
de Conteúdos Específicos (NUDCE/CDSA/UFCG)3, do Núcleo de Educação Popular e Movimentos Sociais4 e com as entidades
mencionadas anterionnentè, o mesmo tem procurado mobilizar
a sociedade civil, dentro e fora do Cariri, assim como fazer um
enfrentamento jurídico no terreno do Ministério Público.
O uso das redes sociais e a apropriação dos recursos das mídias
digitais vêm demonstrando j uma força impressionante no apoio aos
movimentos sociais e lutas políticas dos excluídos da História. Igualmente
importante tem sido os usosj do site De Olho no Cariri, no qual temos
procurado divulgar a temátiòa em tela, bem como o espaço que temos
conseguido nas Rádios Serra Branca FM e Cidade de Sumé. Nas mesmas,
temos concedido entrevistas alertando sobre a importância da aplicabilidade
das Leis 10.639 e 11.645 e do combate aos preconceitos étnico-raciais.
Romper com esse silêncio é uma questão de política, de lutas e
resistências às quais os historiadores e educadores de um modo geral
não podem esquecer. São lutas de um passado oprimido e de projetos
impedidos/marginalizados que clamam por realizações no presente
histórico. É um dever ético dos vivos do presente para com os vivos
de outras temporalidades. |
pt_BR |
dc.publisher.country |
Brasil |
pt_BR |
dc.publisher.initials |
UFCG |
pt_BR |
dc.subject.cnpq |
Educação. |
pt_BR |
dc.title |
Diversidades étnico-raciais e interdisciplinaridade: diálogos com as leis 10.639 e 11.645. |
pt_BR |
dc.date.issued |
2013 |
|
dc.identifier.uri |
http://dspace.sti.ufcg.edu.br:8080/jspui/handle/riufcg/29472 |
|
dc.date.accessioned |
2023-04-25T18:23:52Z |
|
dc.date.available |
2023-04-25 |
|
dc.date.available |
2023-04-25T18:23:52Z |
|
dc.type |
Livro |
pt_BR |
dc.subject |
Diversidade étnico-racial |
|
dc.subject |
Interdisciplinaridade |
|
dc.subject |
Educação étnico-racial |
|
dc.subject |
Relações étnico-raciais |
|
dc.subject |
Cultura afro-ameríndias |
|
dc.subject |
Quilombolas |
|
dc.subject |
Indígenas |
|
dc.subject |
Lei 10.639 |
|
dc.subject |
Lei 11.645 |
|
dc.subject |
História e cultura afrobrasileira e indígena |
|
dc.subject |
Cultura afro-brasileira |
|
dc.subject |
Cultura indígena |
|
dc.subject |
Religiões afro-ameríndias |
|
dc.subject |
Práticas religiosas afro-ameríndias |
|
dc.subject |
Povos indígenas - Brasil |
|
dc.subject |
Comunidades remanescentes quilombolas - práticas culturais |
|
dc.subject |
Escravidão - Brasil |
|
dc.subject |
História da escravidão negra - Brasil |
|
dc.subject |
Africanidade |
|
dc.subject |
Influências africana - música brasileira |
|
dc.subject |
Música brasileira e influência africana |
|
dc.subject |
Mia Couto - literatura moçambicana |
|
dc.subject |
Luandino Vieira - literatura angolana |
|
dc.subject |
Diversidade étnica |
|
dc.subject |
Seminário de História e Educação Afro-Brasileira e Indígena - CDSA/UFCG - 2013 |
|
dc.subject |
Direitos Humanos |
|
dc.subject |
Questões étnico-raciais - espaço escolar |
|
dc.subject |
Ethnic-racial diversity |
|
dc.subject |
interdisciplinarity |
|
dc.subject |
Ethnic-racial education |
|
dc.subject |
Ethnic-racial relations |
|
dc.subject |
Afro-American Indian culture |
|
dc.subject |
Indigenous |
|
dc.subject |
Law 10,639 |
|
dc.subject |
Law 11,645 |
|
dc.subject |
Afro-Brazilian and indigenous history and culture |
|
dc.subject |
Afro-brazilian culture |
|
dc.subject |
Indigenous culture |
|
dc.subject |
Afro-American Religions |
|
dc.subject |
Afro-American Religious Practices |
|
dc.subject |
Indigenous peoples - Brazil |
|
dc.subject |
Quilombola remnant communities - cultural practices |
|
dc.subject |
Slavery - Brazil |
|
dc.subject |
History of black slavery - Brazil |
|
dc.subject |
Africanity |
|
dc.subject |
African influences - Brazilian music |
|
dc.subject |
Brazilian music and African influence |
|
dc.subject |
Mia Couto - Mozambican literature |
|
dc.subject |
Luandino Vieira - Angolan literature |
|
dc.subject |
Ethnic diversity |
|
dc.subject |
Seminar on Afro-Brazilian and Indigenous History and Education - CDSA/UFCG - 2013 |
|
dc.subject |
Human rights |
|
dc.subject |
Ethnic-racial issues - school space |
|
dc.subject |
Diversité ethnique et raciale |
|
dc.subject |
Interdisciplinarité |
|
dc.subject |
Éducation ethnique et raciale |
|
dc.subject |
Relations ethnico-raciales |
|
dc.subject |
Culture indienne afro-américaine |
|
dc.subject |
Indigène |
|
dc.subject |
Loi 10 639 |
|
dc.subject |
Loi 11 645 |
|
dc.subject |
Histoire et culture afro-brésilienne et indigène |
|
dc.subject |
Culture afro-brésilienne |
|
dc.subject |
Culture afro-brésilienne |
|
dc.subject |
Culture indigène |
|
dc.subject |
Religions afro-américaines |
|
dc.subject |
Pratiques religieuses afro-américaines |
|
dc.subject |
Peuples autochtones - Brésil |
|
dc.subject |
Communautés vestige de Quilombola - pratiques culturelles |
|
dc.subject |
Esclavage - Brésil |
|
dc.subject |
Histoire de l'esclavage des Noirs - Brésil |
|
dc.subject |
Africanité |
|
dc.subject |
Influences africaines - Musique brésilienne |
|
dc.subject |
Influences africaines - Musique brésilienne |
|
dc.subject |
Mia Couto - Littérature mozambicaine |
|
dc.subject |
Luandino Vieira - Littérature angolaise |
|
dc.subject |
Diversité ethnique |
|
dc.subject |
Séminaire sur l'histoire et l'éducation afro-brésiliennes et indigènes - CDSA/UFCG - 2013 |
|
dc.subject |
Droits humains |
|
dc.subject |
Questions ethnico-raciales - espace scolaire |
|
dc.subject |
Diversidad étnico-racial |
|
dc.subject |
interdisciplinariedad |
|
dc.subject |
Educación étnico-racial |
|
dc.subject |
Relaciones étnico-raciales |
|
dc.subject |
Cultura india afroamericana |
|
dc.subject |
Ley 10.639 |
|
dc.subject |
Ley 11.645 |
|
dc.subject |
Historia y cultura afrobrasileña e indígena |
|
dc.subject |
Cultura afrobrasileña |
|
dc.subject |
Religiones afroamericanas |
|
dc.subject |
Prácticas religiosas afroamericanas |
|
dc.subject |
Pueblos indígenas - Brasil |
|
dc.subject |
Comunidades remanentes quilombolas - prácticas culturales |
|
dc.subject |
Esclavitud - Brasil |
|
dc.subject |
Historia de la esclavitud negra - Brasil |
|
dc.subject |
Africanidad |
|
dc.subject |
Influencias africanas - música brasileña |
|
dc.subject |
Música brasileña e influencia africana |
|
dc.subject |
Mia Couto - Literatura mozambiqueña |
|
dc.subject |
Luandino Vieira - Literatura angoleña |
|
dc.subject |
Diversidad étnica |
|
dc.subject |
Seminario de Historia y Educación Afrobrasileña e Indígena - CDSA/UFCG - 2013 |
|
dc.subject |
Derechos humanos |
|
dc.subject |
Cuestiones étnico-raciales - espacio escolar |
|
dc.rights |
Acesso Aberto |
pt_BR |
dc.creator |
AIRES, José Luciano de Queiroz. |
|
dc.creator |
MENEZES, Marcus Bessa de. |
|
dc.creator |
OLIVEIRA, Fabiano Custódio de. |
|
dc.creator |
CAMPÊLO, Maria Conceição Miranda. |
|
dc.creator |
ARAÚJO, Bruno Medeiros Roldão de. |
|
dc.creator |
FLOR, Quézia Vila Furtado. |
|
dc.creator |
SILVA, Isaac Alexandre da. |
|
dc.creator |
BARROS, Ofélia M aria de. |
|
dc.creator |
LIMA, Júnia Marúsia Trigueiro de. |
|
dc.creator |
SOUZA, Maria Lindaci Gomes de. |
|
dc.creator |
CHAGAS, Waldeci Ferreira. |
|
dc.creator |
SOUSA JÚNIOR, José Pereira de. |
|
dc.creator |
NASCIMENTO, Uelba Alexandre do. |
|
dc.creator |
VIEIRA, Kyara Maria de Almeida. |
|
dc.creator |
SILVA, Monaliza Rios. |
|
dc.creator |
ARANHA, Gervácio Batista. |
|
dc.creator |
ROCHA, Solange P. |
|
dc.creator |
MELO, Josemir Camilo de. |
|
dc.creator |
COSTA, Alcilene de Andrade. |
|
dc.creator |
WANDERLEY, Alba Cleide Calado. |
|
dc.creator |
MONTEIRO, José Marciano. |
|
dc.publisher |
Universidade Federal de Campina Grande |
pt_BR |
dc.language |
por |
pt_BR |
dc.title.alternative |
Ethnic-racial diversity and interdisciplinarity: dialogues with laws 10,639 and 11,645. |
pt_BR |
dc.identifier.citation |
AIRES, José Luciano de Queiroz et al (Organizador). Diversidades étnico-raciais e interdisciplinaridade: diálogos com as leis 10.639 e 11.645. Campina Grande - PB: EDUFCG, 2013. ISBN: 978-85-8001-098-5. Disponível em: |
pt_BR |