dc.description.resumo |
No livro Os “imersos na penumbra” da ferrovia Madeira-Mamoré:
narrativas na obra “Mad Maria”, de Márcio Souza, Ana
Carolina Monteiro Paiva apresenta uma reflexão sobre a
construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, estabelecendo
uma interlocução entre história e literatura. O livro é resultado
da pesquisa realizada em seu trabalho de conclusão do curso de
licenciatura em História, na UFCG. Nessa empreitada, demonstra,
desde a formação inicial, disciplina e compromisso com a pesquisa
e a construção do saber histórico. Sua narrativa é original,
atual, de leitura instigante, marcada pela paixão e sensibilidade
da autora pelo tema.
Ao adentrar os detalhes do enredo literário, a autora pôde
“enxergar mais longe”, conforme fez Sandra Jatahy Pesavento, ao analisar o conto O Alienista, de Machado de Assis. E seguiu os trilhos
da trama construída por Márcio Souza, descortinando, para
leitores e leitoras, os dramas, as dores e a violência vivenciada na
época pelos moradores das pequenas comunidades de ribeirinhos
pobres e pelos trabalhadores que se deslocaram de outras regiões
do Brasil e de diversos países para construção da ferrovia Madeira-
Mamoré, enfrentando as mais diversas diiculdades. Muitos
não resistiram às doenças tropicais e morreram nessa viagem
sem volta, na construção da ferrovia que icou conhecida como
“ferrovia da morte” e “ferrovia do diabo”.
Em sua análise, ao entrelaçar a literatura com o aporte teórico
e metodológico da história cultural, alicerçada nas leituras historiográicas
e de outros campos do saber, a autora pôde “enxergar
mais longe”, descortinando questões que fazem refletir sobre as
diversas formas de destruição do ecossistema da região ao longo
dos anos, provocando alterações no meio ambiente, destruição
das culturas dos sujeitos que habitam espaços violentados pelas
ações e interesses de grupos voltados para atender o mercado capitalista,
entre outras questões que envolveram a construção da
Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
O livro está dividido em três capítulos: o primeiro, intitulado
“Estava tudo em paz no inferno”, a autora inicia com uma reflexão
sobre as aproximações entre história e literatura, problematizando
como essa aproximação permite a Clio “enxergar mais longe”.
Num segundo momento, apresenta o manauara Márcio Gonçalves
Bentes de Souza e sua produção iccional e histórica Mad Maria,
ambientada durante a construção da ferrovia Madeira-Mamoré.
No capítulo seguinte, “Suspiros de rangidos de metal”, a autora
tece novos ios sobre dois momentos históricos: o primeiro
se passa durante a construção da ferrovia, no início do século XX;
e o segundo, em 1980, ano de publicação do romance Mad Maria. E, através de uma “sintonia ina” (PESAVENTO, 109), lança um olhar
sensível para o período de construção da ferrovia, fazendo pensar
sobre a destruição das comunidades afetadas com a passagem dos
trilhos e as diversas formas de violência que marcaram a invasão
da floresta tropical, atravessada por rios, cachoeiras e uma biodiversidade
exuberante.
No último capítulo, “Ossos expostos”, com um olhar pedagogizado
no diálogo com a literatura, a autora constrói uma narrativa
sobre cinco personagens: o médico Richard Finnegan, o
engenheiro Stephan Collier e o empresário Percival Farquhar, os
quais escolheram fazer parte daquele processo; enquanto os dois
últimos, a pianista boliviana Consuelo Campero e o indígena Joe
Caripuna, são representados como aqueles que não tiveram escolhas,
nem registros de suas existências. São histórias de vidas
construídas pelo romancista e apropriadas pela autora, para fazer
pensar sobre as diversas formas de violência, vividas por sujeitos
anônimos durante a construção da ferrovia.
Muita coisa mudou ao longo desses 109 anos, transcorridos
desde a conclusão do último trecho da Estrada de Ferro Madeira
-Mamoré, mas ainda vivenciamos práticas de ingerência e destruição
do meio ambiente e da população que mora na região. É o
que podemos perceber atualmente no governo do Presidente Jair
Messias Bolsonaro, que tem privilegiado políticas de desestruturação
de órgãos de preservação do meio ambiente, violações dos
direitos humanos, liberação de agrotóxicos danosos à natureza e
à saúde humana, aumento da violência no campo e nas áreas indígenas,
entre outras ações que visam silenciar, controlar e negar
o direito à vida, à dignidade e ao respeito.
Ana Carolina Monteiro Paiva, neste livro, nos presenteia com
uma narrativa sensível, escrita de forma envolvente, com uma
problematização deinida, objetivos claros e escolhas teóricas, metodológicas e historiográicas pertinentes, podendo, assim,
“enxergar mais longe” e nos convidando a pensar sobre a incapacidade
dos governos brasileiros, em diversos momentos da história
do país, em construir políticas públicas voltadas para a melhoria
das condições de vida da população, com ações de preservação
da vida e uso adequado dos recursos naturais, a im de evitar catástrofes,
a exemplo da provocada pela construção da Ferrovia
Madeira-Mamoré. |
pt_BR |