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O que os místicos teriam a dizer substancialmente aos metafísicos?
Em caso positivo, como se daria tal comunicação, haja
vista buscarem fundamentos da realidade, mas falarem dialetos
tão distintos? Seria possível um entendimento e uma parceria
entre a poesia do inefável e a razão discursiva?
Questões como essas bailaram em minha mente até conhecer
um pouco do espiritualismo contemporâneo e seu principal
representante: Henri Bergson. Como praticamente todos os pensadores
do seu tempo, ele viu-se diante da gigantesca herança do
materialismo do século XIX: o discurso positivista, o marxismo,
os niilismos, os fisiologismos reducionistas, a rigidez conceitual,
a linearidade e a espacialização da vida pujante ... As consistentes
respostas de Bergson em favor de um conhecimento filosófico
da vida e do espírito mais fluidos impressionaram-me.
Procurei problematizar as inquietações e daí nasceu o projeto
de dissertação sobre a interface entre mística e metafísica sob
o enfoque bergsoniano. Sob a orientação do prof. Dr. Marconi
José Pimentel Pequeno (UFPB), defendi no ano 2000 o presente
trabalho que agora publico ligeiramente refundido. Tive o cuidado
de atualizar algumas referências, acrescentando uns poucos títulos
que vieram à lume depois da defesa. “Nesse sentido, destaco os esforços de Frédéric Worms da PUF (Paris), da editora Martins
Fontes, dos professores da UFSCar e da família do professor Bento
Prado Jr. em traduzir ao português brasileiro e publicar muitos
livros e conferências de Bergson a partir das edições originais .
Alerto que todas as citações que fiz a partir das obras de Bergson
não foram retiradas dessas edições mais recentes, mas do material
disponível à época (Zahar editores e volume Bergson da Coleção
Os Pensadores da Abril Cultural, 1979).
Feitos os esclarecimentos preliminares, vamos ao modesto
trabalho deste capítulo história da filosofia contemporânea.
Considerado por Bertrand Russell como o principal filósofo
francês deste século [XX]2, tido como credor de muitas ideias
defendidas por Jean-Paul Sartre, Merleau-Ponty, Jean-Hyppolite
e Gaston Bachelard3 ou ainda como revitalizador do atual
debate filosófico após um longo período de incompreensão por
parte da tradição analítica, conforme demonstra Bento Prado
Jr4, Henri-Louis Bergson deve figurar na galeria dos pensadores
que mais receberam epítetos reducionistas, expressos, quase
sempre, em análises superficiais: intuicionista, anti-intelectualista,
irracionalista, vitalista, evolucionista, monista e místico. Todos
esses termos já foram usados para defini-lo.
Isso é uma pequena amostra dos paradoxos que envolveram
a vida deste filósofo que, embora bastante incompreendido no
período inicial de exposições de suas ideias, acabou por receber
importantes homenagens na maturidade, como atestam, aliás, o Prêmio Nobel da Literatura que lhe foi conferido em 1928 e a
inclusão no Index Librorum Prohibitorum (Índice dos Livros
Proibidos da Igreja Católica Romana) de suas obras Matéria e
memória e A evolução criadora.
Iniciamos este trabalho com essas breves alusões à trajetória
de Bergson pois, como nos lembra Henri Gouhier: Por isso, a compreensão do pensamento filosófico de Bergson
passa pela consideração de suas atitudes existenciais.
A denominação mística atribuída a tal pensador, refere-se
à condenação que lhe foi lançada em resposta a sua audácia de
tentar enriquecer a tradição metafísica mediante investigações
filosóficas oriundas de experiências místicas religiosas, pois
acertadamente o tomista Alexandre Correia refere-se à filosofia
de Bergson como algo “Metafísico, pois, pelos resultados, o
bergsonismo é empírico pelo método”6
Mística, misticismo e religião, de ordinário, são confundidos
na modernidade com o nebuloso, o irracional, o patológico e,
por conseguinte, vistos como incompatíveis com o rigor metodológico
próprio da razão filosófica.
O projeto empreendido por Bergson não é cativo da experiência
mística. Sua ambiciosa empresa foi a de pôr em xeque
a própria filosofia, seus limites, seus métodos, sua linguagem
com base na discursividade, a fim de libertar a metafísica da
camisa-de-força metodológica imposta pela própria ciência de
inspiração aristotélica, cartesiana e kantiana.
Bergson suspeitou, como o fizeram Rousseau e Pascal, da
eficácia da razão, propondo a superação de sua discursividade,
por meio do emprego da intuição, levando, assim, à ampliação
e não à recusa da racionalidade, antes limitada aos resultados
obtidos pela inteligência. |
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