dc.description.resumo |
Em 2010, foi publicada a Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS - Lei nº 12.305, de 2
de agosto de 2010). Foi a primeira lei federal a tratar dessa questão holisticamente. De forma inédita,
ela positivou princípios (responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos) e
instrumentos (logística reversa) específicos para lidar com resíduos.
No entanto, quando da sanção da PNRS, muitos países já eram veteranos em questões legislativas
referentes aos resíduos. A experiência deles é útil para extrair lições de como lidar com essa questão. O
Japão, por exemplo, vem desenvolvendo políticas públicas sobre esse tema desde o final do século XIX.
Este trabalho tem por objetivo descrever o desenvolvimento jurídico das políticas públicas de resíduos
sólidos no Japão desde a 1900 até 2017. Extraídas as principais características de cada período, elas
serão comparadas à realidade legal brasileira, sendo indicado em que medida a experiência japonesa
pode ensinar o Brasil a desenvolver sua própria política pública de resíduos. O foco são os resíduos
sólidos domiciliares os quais, via de regra, estão sob responsabilidade do município.
Panorama da Gestão de Resíduos no Japão
O Japão tem vasta legislação sobre resíduos, combinando normas gerais e especificas para regular
disposição final e reciclagem. Segundo o Ministério do Meio Ambiente japonês, a quantidade de resíduos
comuns (e.g., domiciliares) gerada vem diminuindo desde de 2000. Atualmente, gera-se tanto lixo
quanto em 1985. Em 2015, a maior parte dos resíduos foi destinada diretamente a incineradores
(80,2%). Na sequência, teve-se tratamentos intermediários (18,7%) e o aterramento direto (1,1%). O
índice de reciclagem é de 20,4% (MMAJ, 2017).
Fases da Política Pública de Resíduos
O panorama atual da gestão de resíduos no Japão veio sendo gestado desde o final do século XIX.
Até 2017, são identificadas três fases, divididas de acordo com o foco da política em cada época: Saúde
Pública, Poluição e Reciclagem.
Saúde Pública
O tratamento inadequado do lixo verificado na segunda metade do século XIX propiciou a
proliferação de cólera e peste bubônica (MMAJ, 2001; MMAJ, 2014). Neste contexto, foi sancionada a
primeira lei de resíduos do Japão: "Lei de Eliminação do Lixo", de 7 de março de 1900. A principal
mudança trazida pela lei foi converter a coleta e disposição final de resíduos em serviços públicos sob
responsabilidade dos municípios.
Os municípios eram responsáveis tanto por resíduos domésticos como industriais. O aumento da
geração de ambos, decorrente do desenvolvimento econômico do pós-guerra, expôs a deficiência da
infraestrutura municipal para a tarefa. A falta de colaboração dos governos nacional e provinciais
agravava a situação (MMAJ, 2014). Corrigindo esse desequilíbrio, a "Lei de Limpeza Pública", de 22 de
abril de 1954, obrigou os governos provinciais e nacional a prover suporte técnico e financeiro para
atacar a questão de resíduos.
Em 24 de dezembro de 1963, foi sancionada a primeira "Lei de Medidas Emergenciais para
Melhoria da Infraestrutura Sanitária". Ela foi o fundamento para que o Ministério da Saúde elaborasse o
Plano Quinquenal que orientou a instalação, principalmente, de incineradores nos municípios
japoneses. Reeditadas e revisadas 8 vezes até 1996, as leis emergências, seguidos dos respectivos
planos, ajudaram a consolidar a incineração como principal método de tratamento de resíduos no país. Além de sanitariamente adequada, era uma forma de diminuir o volume final do material a ser aterrado
(MMAJ, 2001; MMAJ, 2006).
Poluição
Os municípios não tinham controle ou know-how sobre os resíduos industriais. Admite-se não se
saber como foi descartada a totalidade desse material gerado nas décadas de 50 e 60 (MSJ, 1971). Em
1970, a nova realidade industrial motivou o parlamento japonês a aprovar e alterar 14 leis visando ao
combate à poluição (MINAMI & OKUBO, 2006; OTSUKA, 2010). Assim, a "Lei de Limpeza Pública" deu
lugar à "Lei de Disposição de Resíduos", de 25 de dezembro de 1970.
A novidade dessa norma foi a divisão de atribuições em função do tipo de resíduo. Os resíduos
comuns (e.g., resíduos domésticos) permaneceram sob a responsabilidade dos municípios. A disposição
adequada de resíduos industriais passou a ser atribuída aos seus geradores. A lei de 1970 também
regulamentou a coleta, transporte, incineração e aterramento. No entanto, as novas regras não frearam
o aumento da geração de resíduos, sejam comuns ou industriais. Ao contrário, a quantidade de ambos
continuou crescendo (AAJ, 1985; MSJ, 1999).
Reciclagem
O crescimento contínuo da geração de resíduos implica a necessidade de buscar constantemente
por locais adequados para a instalação de incineradores ou aterros, ocasionando mais gastos públicos e
impactos ambientais. Dessa maneira, a partir da década de 90, a política de resíduos japonesa estruturou
o sistema legal de reciclagem, operando com base em leis gerais orientadoras do sistema, além de leis
específicas para um determinado tipo de resíduo.
Assim, em 26 de abril de 1991 foi sancionada a "Lei de Promoção da Reciclagem" (atualmente "Lei
do Uso Racional de Recursos Naturais"), que orienta o setor industrial na elaboração de planos de
reciclagem e uso eficiente dos recursos naturais. Em 16 de junho de 1995, a "Lei de Reciclagem de
Embalagens" foi a primeira a estabelecer obrigações específicas para reciclar um determinado tipo de
resíduo. Em 5 de junho de 1998, o Japão aprovou a "Lei de Reciclagem de Eletrodomésticos", primeira
do gênero no mundo (MINAMI & OKUBO, 2006).
No ano 2000, a produção legislativa referente à reciclagem foi intensa. Em 2 de junho, a "Lei de
Constituição da Sociedade de Economia Circular" estabeleceu os princípios da nova fase da gestão de
resíduos. Dentre eles, a responsabilidade estendida do produtor (ISONO, 2016). Em 31 de maio, a "Lei
de Reciclagem de Resíduos de Construção" e a "Lei de Promoção de Compras Públicas Sustentáveis". Em
7 de junho, a "Lei de Reciclagem de Alimentos". Em 12 de julho de 2002, foi sancionada a "Lei de
Reciclagem de Automóveis". Finalmente, em 10 de agosto de 2012, a "Lei de Reciclagem de Eletrônicos
de Pequeno Porte" completou o quadro legislativo da reciclagem no Japão.
Interessante notar que houve uma mudança de princípio nas normas sobre produtos de consumo.
As leis de reciclagem de embalagens, eletrônicos de grande porte e de automóveis prescrevem ao
produtor a obrigação de receber e reciclar, direta ou indiretamente, tais itens em sua fase de pós-
consumo. Eis o cerne do princípio da responsabilidade estendida do produtor (EPR - Extended Producer
Responsibility). EPR é advogado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) como princípio de política pública de gestão de resíduos. Visa a aliviar o ônus dos municípios e
incentivar a indústria a produzir itens mais fácies de reciclar (OCDE, 2016).
Contudo, a Lei de Reciclagem de Eletrônicos de Pequeno Porte apenas determina que os
produtores se esforcem para melhorar o design de seus produtos. Não há qualquer obrigação na fase de
pós-consumo. Assim, os municípios continuam a se responsabilizar pela coleta e destinação final desses
itens. Essa orientação se coaduna com o "Product Stewardship" (em tradução livre, gestão do produto),
princípio que vem sendo aplicado e.g., na Austrália e Cingapura.
Alega-se que a flexibilidade dada ao produtor incentivaria a pluralidade de formas voluntárias de
coleta e reciclagem de eletrônicos. Ademais, razões econômicas teriam impedido a imposição de mais
um ônus ao setor produtivo (CCMAJ, 2012; MMAJ, 2012; OTSUKA, 2012). Descartados como lixo
doméstico, os encargos da disposição final desses equipamentos são transferidos à sociedade, a qual
sustenta difusamente a gestão municipal dos resíduos. Assim, mantendo externalidades ambientais,
"Product Stewardship" não é inteiramente consistente com o princípio do Poluidor-Pagador, pedra
angular do direito do meio ambiente. |
pt_BR |