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O presente artigo tem o propósito de
refletir como as brincadeiras infantis são
portadoras de conteúdos de gênero e,
conseqüentemente, de masculinidade.
Nesse sentido, alguns questionamentos se
fazem necessários para o aprofundamento
de tal reflexão. Como são construídas as
relações de gênero nas brincadeiras infantis?
Que mecanismos utilizados na
interação social infantil (re)produzem e/ou
(re)atualizam valores relacionados à masculinidade
enquanto norma social?
As reflexões sobre tais questões servem
de suporte para o entendimento das atividades lúdicas infantis como portadoras de
significados e significações sociais das
relações de gênero, contribuindo, assim, na
formação dos indivíduos e delimitando
espaços relacionados ao masculino e ao
feminino, que se dá principalmente através
do processo de socialização. A dimensão
gênero estabelece categorias de entendimento
das relações sociais e cria dimensões
simbólicas da divisão do mundo em
masculino e feminino, constituindo-se numa
dicotomia e num princípio no qual "( ...) o
corpo é o lugar investido simbolicamente
para confirmar esta ontologia. E o processo de incorporação dos significados do gênero
resulta como um consenso vivido em virtude
da sua aprendizagem ser permanente, não
focada, não verbal e não refletida" (Vale de
Almeida, 1995: 165).
Pesquisar brinquedos e brincadeiras
infantis implica investigar as concepções que
as crianças têm sobre os mesmos e os
significados sociais mais amplos que lhes
são atribuídos para a formação de uma
construção que reforça ou (re)define o que
é ser homem e o que é ser mulher. Para tal
apreensão, se fez necessário observar não
só a organização da rotina e do espaço físico
em que estavam inseridas as crianças, mas
também as conversas e as relações estabelecidas
no momento do brincar. Tais
aspectos, serviram de guia para entender a
complexa teia de relações e significados que
estão presentes na identificação da maneira
como adultos e crianças sentem, pensam e
interagem, definindo atitudes e comportamentos
via processo de socialização e
apropriação da cultura.
Entende-se que a formação do "ser
homem» está intimamente relacionada à
tentativa de compreender as relações entre
o masculino e feminino, dentro dos parâmetros
que visam buscar as significações de
gênero. Essas são caracterizadas, principalmente,
pela diferença dos gostos,
preferências, comportamentos e atitudes
atribuídas a cada sexo, sendo, pois, necessário
entender os diferentes sentidos que
são dados às ações correntes de homens e
mulheres. O que, por sua vez, implica na
busca dos significados simbólicos presentes
na trama social, a exemplo, das maneiras
de (re)pensar e de (re)classificar, as diferenciações
e desigualdades de gênero,
presentes tanto na forma de perceber as
coisas como na forma em que em que essas
se apresentam. No processo de aprendizado
social, comumente, os homens são orientados
para se preocuparem com a
avaliação feita sobre sua masculinidade, o
medo de perder a estima ou a consideração
do grupo, de ser remetido à categoria,
tipicamente feminina, dos 'fracos', dos
'delicados', dos 'mulherzinhas', dos 'veados'.
Para a compreensão do universo que
envolve essa teia complexa de construção
dos significados das relações de gênero
realizou-se uma pesquisa etnográfica, 1 na
Comunidade Brasilit, uma área ZEIS,2
situada no bairro da Várzea, cidade do
Recife. O objetivo era apreender das
atividades lúdicas infantis na (re)construção
do gênero. O universo de análise contemplou
crianças na faixa etária de 8 a 14 anos de
idade. A técnica empregada foi a observação
direta.
Entender a forma e o estilo de vida na
Comunidade, observar falas, piadas, gestos
ou qualquer outro código de expressão que
traduz os sistemas simbólicos. Isso se
mostrou fundamental no processo de apreensão
dos significados de gênero denotando
assim, "um padrão de significados transmitido
histodcamente, incorporado em símbolos, um
sistema de concepções herdadas expressas
em formas simbólicas por meio dos quais os
homens comunicam, perpetuam e desenvolvem
seu conhecimento e suas atividades
em relação ávida" (Geertz, 1989: 103).
Como estratégias de apreensão de informações,
tornou-se necessário, a visitação
aos locais onde se dava a prática do jogo de
futebol, atividade lúdica escolhida para análise,
criando-se uma rotina de observação das
partidas de futebol, anotando-se as falas de
moradores e das crianças que participavam do
jogo, seja jogando ou apenas assistindo. As
partidas foram realizadas num campo de
futebol de várzea, situado nas imediações da
Comunidade.
O material observado em campo se junta
às reflexões abstratas, servindo de base para
a problematização sobre brinquedos e
brincadeiras infantis como instrumentos de
aprendizado, (re)produção e (re)definição de
valores ligados às formas de diferenciar e
desigualar o masculino e o feminino. Um
caminho que se considera fértil de entendimento
da configuração das relações de
gênero. Percorrendo essa direção, procurou-se trilhar uma perspectiva que levasse
em consideração as várias possibilidades
de manifestação dos valores relacionados a
gênero 1 mapeando as formas de (re)produção
e (re)definição freqüentemente incorporadas
aos valores ligados ao modelo
hegemônico de masculinidade. |
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