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Em geral, observa-se que a reprodução dos valores tradicionais de
gênero está presente nos sujeitos investigados nessa pesquisa, o que inclui
não somente os homens que se encontram na situação de acusados de
agressão, mas também as mulheres na situação de vítimas e os profissionais
da segurança pública que lidam com esse tipo de violência. As mulheres,
em particular, são partes integrantes na constituição das relações de gênero
e não só resistem aos valores e práticas tradicionais de gênero, mas também
corroboram na sua manutenção (BOURDIEU, 2010).
Acredita-se que esses valores são constituídos e sedimentados em
suas personalidades como reflexos de um longo e duradouro processo de
socialização e sociabilidades adquirido nas suas trajetórias de vida. O que
não significa afirmar que tais processos são determinísticos e exclusivos
na constituição desses sujeitos ou que sejam manipulados e dominados
pelas estruturas sociais e cultura, mas que são fortes indicadores de suas
identidades e, consequentemente, de suas ações e comportamentos.Percebe-se que os modos como esses valores são introjetados em
suas histórias de vida e as formas como os internalizam, enquanto habitus,
dependem das situações e contextos vividos, assim como das formas com
que (re)significam tais valores, podendo, pois, manifestar-se de forma
mais ou menos clara ou velada, intensa ou fraca, frequente ou rara em suas
práticas e comportamentos cotidianos (MENDES, 2005).
Não se pode desconhecer a força desses valores socioculturais na
constituição das relações de gênero, dos sujeitos que as engendram, e que se
constituem nas bases referenciais das práticas violentas. Por outro lado, não
se pode afirmar que os valores tradicionais de gênero, especialmente aqueles
traduzidos pelo modelo tradicional (hegemônico) de masculinidade, se
apresentem em suas características puras no perfil ou identidade de todos os
homens aqui pesquisados, haja visto se perceber que transitam entre modelos
diferentes de masculinidades, ou seja, possuem características que demarcam
práticas tradicionais e ao mesmo tempo incorporam outras que escapam delas.
Apesar de na maioria dos discursos masculinos haver um reforço ao
modelo tradicional de gênero, esses não deixam de perceber e acatar de bom
grado algumas mudanças que vêm ocorrendo na esfera das relações entre
homens e mulheres. Reconhecem que hoje as mulheres ocupam espaços antes
exclusivos para homens, que elas cada vez mais estão se inserindo no mercado
de trabalho, estudando mais, etc, portanto, reconhecendo que possuem mais
autonomia, liberdade e individualidade. No entanto, tais características não
são traduzidas como um tipo de dominação feminina por eles, ou seja, mulher
independente não quer dizer que vai controlar o homem. E mesmo quando
há qualquer sinal de perda de poder, por parte deles, utilizam-se da violência
como forma de “correção” da ordem social de gênero.
Dessa forma, tratar as práticas discursivas de gênero, especialmente
dos homens acusados de agressão, não é objeto simples de análise, dada
a complexidade que envolve as questões de gênero, pois embora se saiba
que as bases referenciais dos discursos masculinos são tradicionais e
machistas, esse fato não legitima todas as falas, aqui analisadas, ao ponto
de transformá-las num quadro unificador. Nesse contexto discursivo o
qual, à primeira vista, parece uma mesmice de práticas e motivos sobre violência, aparece uma diversificação de situações e ações que se tentou
compreendê-las construindo eixos e sub-eixos interpretativos, como
forma de apreender os signi9cados dos discursos masculinos acerca das
práticas violentas de gênero.
Sendo assim, enxergaram-se os discursos dos sujeitos, em discussão,
a partir de dois eixos interpretativos: 1) como as relações de gênero devem
ser e 2) como essas relações estão sendo. Desse modo, percebeu-se que os
homens: 1) reforçam a importância do controle masculino no cumprimento
das normas relativas aos papéis tradicionais de gênero; e 2) reconhecem um
crescimento na autonomia feminina que gera neles certo inconformismo. |
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